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Um barbeiro olha pro seu celular, Delhi. Índia. REUTERS/Adnan Abidi
Um barbeiro olha pro seu celular, Delhi. Índia. REUTERS/Adnan Abidi
Qual é a responsabilidade das redes sociais, dos mecanismos de busca e dos aplicativos de mensagem no desgaste da confiança das pessoas na indústria de notícias? Há, de fato, alguma responsabilidade? Em rodas de debates virtuais com pequenos grupos de jornalistas e publishers, no ano passado (Toff et al. 2021a), muitos entenderam de que, ao menos parcialmente, as plataformas digitais podem ser responsabilizadas pela queda nos níveis de confiança no noticiário em vários lugares do mundo (Newman et al. 2022). Alguns se queixaram do fato de as plataformas permitirem que críticas mal intencionadas ao jornalismo circulem livremente na rede, contaminando o ambiente de informação com opções de baixa qualidade à reportagem factual. Outras empresas enxergam as plataformas corroendo as relações dos consumidores de notícias com as suas marcas, apesar de as perceberem como um intermediário essencial para alcançar os segmentos do público que são menos propensos a consumir jornalismo por meios tradicionais, como TV e publicações impressas.
Neste relatório, o produto mais recente do Trust in News Project, nós exploramos essas questões a partir do ponto de vista da audiência. Com base em um conjunto de dados originais coletados em respostas a pesquisas feitas no verão de 2022 em quatro países – Brasil, Índia, Reino Unido e Estados Unidos –, examinamos a relação entre a confiança no jornalismo e a forma como as pessoas pensam as notícias em plataformas digitais, especialmente Facebook, Google, WhatsApp e YouTube, que são as mais amplamente utilizadas no mundo. Nossos achados têm algumas nuances, visto que a forma como as pessoas pensam sobre informação nas plataformas varia consideravelmente. Depende da plataforma, depende do país, depende da audiência dentro desses países e depende dos tipos de notícias que essas audiências estão encontrando nesses variados ambientes.
Ao mesmo tempo, apesar de todas essas diferenças de contexto, há uma semelhança notável. Identificamos uma consistente ‘lacuna de confiança’ entre o quanto as pessoas nos quatro países confiam nas informações da mídia em geral em comparação àquelas acessadas via plataformas digitais – das quais as pessoas tendem a ser mais céticas. Encontramos tais lacunas mesmo tendo também identificado que a maioria considerável dos entrevistados nutre sentimentos positivos em relação a essas mesmas plataformas.
Apesar de esses achados parecerem contra-intuitivos em um primeiro momento, eles fazem sentido quando considerados ao lado de outros achados em nosso relatório, que tratam das razões pelas quais as pessoas dizem que usam as plataformas. Isso varia desde se conectar com outras pessoas (especialmente importante para o WhatsApp e o Facebook) até entretenimento e passatempo (Youtube lidera com folga aqui); obter notícias e informação é normalmente algo de importância secundária. Muitos têm a opção e acompanham as notícias por meio das fontes de informação disponibilizadas pelas plataformas (Ross Arguedas et al. 2022; Duchovnay et al. 2021), embora as notícias em si raramente tenham uma importância central para a experiência das pessoas durante o uso desses produtos. Isso torna as plataformas muito mais importantes para as organizações de notícias, na busca pela expansão de sua audiência, do que as notícias para as próprias plataformas. Essa também deve ser a razão pela qual muitas pessoas se sintam mais positivas em relação às plataformas em geral, mesmo enxergando problemas associados a elas, como também mostramos neste relatório. Isso inclui problemas relacionados a informações falsas e enganosas e assédio, um contencioso quando se trata de falar de política, bem como outras questões. Muitos usuários acham as plataformas divertidas ou úteis na sua vida cotidiana apesar dessas preocupações, independentemente das notícias que irão encontrar ali.
Para ser claro, a lacuna de confiança entre as notícias em geral e aquelas que circulam nas plataformas é maior em alguns serviços (Facebook) e menor em outros (Google). É diferente em alguns países (a confiança é mais alta na Índia do que em outros países) e para alguns públicos (mais jovens, pessoas com nível superior e mais interessadas em política tendem a confiar mais nas notícias dentro ou fora das plataformas). Curiosamente, no entanto, os níveis mais baixos de confiança são consistentemente encontrados entre as pessoas que jamais usam as plataformas.
Alguns podem evitar as plataformas exatamente porque não confiam nelas. Outros talvez expressem um julgamento de valor sobre o tipo de notícia que encontram nas plataformas, que percebem como sendo de qualidade inferior quando comparadas àquelas disponíveis em outros locais. (E, certamente, os algoritmos das plataformas priorizam alguns tipos de conteúdo em detrimento de outros). Mas nossos achados também sinalizam que muitas pessoas podem basear avaliações sobre as notícias nas plataformas em suas convicções individuais sobre a natureza da informação nesses espaços – concepções que podem estar enraizadas na cultura e na conversação tanto quanto, ou até mais do que, em experiências diretas (ou passadas) usando esses serviços. Tais ideias influenciam tanto o comportamento das pessoas nesses espaços digitais quanto o que elas esperam encontrar ali. Embora a opinião dos não usuários de plataformas possa parecer menos importante do que as perspectivas daqueles com mais experiência utilizando esses serviços, os não usuários são, em muitos casos, a maioria do público, e suas crenças sobre informações nas plataformas podem ter impacto nos atuais debates políticos sobre como esses serviços devem operar.
A importância das ideias sobre notícias nas plataformas também se aplica às notícias em geral. Como as nossas descobertas também mostram, muitos entrevistados têm percepções bastante negativas sobre como o jornalismo é praticado em seus países, vendo os jornalistas como manipuladores interessados em atender a seus próprios interesses e também as agendas de políticos poderosos. Embora muitos digam que costumam encontrar críticas à imprensa nas redes sociais – algumas delas, para sermos claros, podem ser totalmente legítimas –, a exposição de tais ideias parece circular amplamente também no ambiente offline, com muitos citando conversas com pessoas comuns como um dos principais ambientes onde encontram tais críticas.
Como isso deixa as empresas de mídia? Para muitos, o desafio pode ser menos sobre uma erosão da confiança causada pelo fato de seu conteúdo estar nas plataformas e mais sobre ser visto de alguma maneira nesses espaços – e para que suas marcas possam ser lembradas pelo público. Para as audiências desconectadas ou desengajadas, como já destacamos anteriormente (Ross Arguedas et al. 2022; Toff et al. 2021b), a indiferença em relação ao noticiário pode ser o desafio mais complicado e existencial que o setor enfrentará, até mais do que a crescente hostilidade. Notícias raramente são o que as pessoas estão procurando quando acessam esses serviços e as plataformas estão cada vez mais buscando colaborar nesse processo. Como um porta-voz do Facebook disse no começo deste ano, “A maioria das pessoas não chega ao Facebook para ler notícia e, como negócio, não faz sentido investir demais em áreas não alinhadas com as preferências dos usuários.” (Fischer 2022). A companhia anunciou que estava alterando seu projeto “Facebook News”, e iria priorizar postagens de amigos e familiares e dar maior ênfase ao conteúdo produzido por “criadores”, em um modelo similar ao adotado pelo TikTok. 1 Essas decisões levantaram muitas preocupações, incluindo a perspectiva de que o Facebook (e outras redes sociais seguindo a mesma estratégia) será muito menos eficaz em expor usuários incidentalmente a notícias, vista como um fator para aumentar tanto o volume quanto a diversidade das notícias consumidas pelas pessoas. (Ahmadi e Wohn 2018; Fletcher e Nielsen 2018; Nelson e Webster 2017; Masip et al. 2018). Além disso, enquanto o conteúdo produzido por “criadores” possa ser altamente envolvente, ele também pode ser altamente inconsistente e, às vezes, de qualidade questionável, no que se refere a oferecer informação factual precisa sobre assuntos atuais. Essas mudanças nas plataformas também representam muitos desafios para as organizações de notícias, não apenas aquelas que dependem do tráfego proveniente das plataformas para seus próprios sites, mas também aquelas que consideraram esses serviços como seu principal meio de atingir públicos mais jovens e menos fiéis. O cenário de mudanças para a informação digital provavelmente tornará isso mais difícil, o que torna ainda mais essencial a busca por estratégias alternativas.
O Trust in News Project, do Reuters Institute, busca compreender o que guia a confiança nas notícias, os fatores responsáveis por um aparente declínio recente em muitos países, as diferenças sobre como eles atuam nas várias partes do mundo e o que deve ser feito sobre isso. Focalizamos quatro países do Sul Global (Brasil e Índia) e do Norte (Reino Unido e EUA) que, apesar das grandes diferenças culturais, sociais e políticas, compartilham pontos comuns na relevância das plataformas digitais para a forma como as pessoas interagem com os outros, resolvem tarefas diárias e obtêm informações. Dados do Digital News Report 2022, publicado pelo Reuters Institute, mostram que uma parcela significativa do público nos quatro países usa regularmente as plataformas como fonte de notícias. Apesar de serem menores que a parcela utilizando as plataformas para qualquer propósito, esses números ainda são consideráveis.
Este documento está estreitamente relacionado a dois relatórios anteriores que publicamos nos últimos nove meses. O primeiro, como mencionado acima, foi baseado em mesas redondas que organizamos com gestores seniores e jornalistas de organizações noticiosas dos quatro países, nas quais eles descreveram seus principais desafios quando se trata de construir e sustentar a confiança dos públicos com quem eles querem engajar (Toff et al. 2021a). O segundo se baseou em entrevistas qualitativas que investigaram o que o público com menor grau de confiança pensa sobre as notícias que encontram nas plataformas, os atalhos que usam para fazer julgamentos rápidos sobre as notícias e como as características específicas das plataformas moldam essas experiências (Ross Arguedas et al. 2022). Neste documento, exploramos padrões mais amplos, usando dados representativos de pesquisa sobre comportamentos e percepções do público em relação às plataformas, resumindo os resultados de uma pesquisa original feita entre junho e julho de 2022 em todos os quatro países pesquisados.
Trabalhamos em parceria com a empresa de pesquisa Ipsos para entrevistar aproximadamente 2.000 indivíduos por país, utilizando amostras amplamente representativas com cotas para (no mínimo) idade, sexo, região e outras características específicas para a população de cada país. No Brasil e na Índia, as pesquisas foram realizadas presencialmente em todas as principais regiões de cada país. Essa modalidade foi particularmente importante nesses países para alcançar os números relativamente altos de pessoas que não têm acesso à Internet em casa (22% no Brasil e 67% na Índia em nossas amostras) ou em um telefone celular pessoal (14% no Brasil e 33% na Índia). No Reino Unido e nos Estados Unidos, onde a penetração da Internet é maior, foram realizadas pesquisas online, com amostras destinadas a aproximar as populações nacionais de cada país. Além do inglês, os questionários foram traduzidos para o espanhol para os EUA, português para o Brasil, e mais dez idiomas na Índia.
Os questionários da pesquisa foram elaborados pelos autores deste relatório com o objetivo de captar as percepções distintas dos entrevistados sobre as plataformas, seus níveis de confiança em relação às notícias publicadas nelas, as razões pelas quais as pessoas as utilizam e os problemas que associam a elas. Também formulamos perguntas sobre exposição a discordâncias e discussões políticas nas redes sociais e sobre as percepções sobre jornalistas e organizações noticiosas, algumas das quais podendo ou não ter sido afetadas por experiências pessoais de uso das plataformas. O questionário levou, em média, cerca de 15 minutos para ser preenchido online e 25 minutos na versão presencial. Devido a um erro técnico quando a pesquisa foi programada, algumas perguntas que focalizamos na Seção 3 foram omitidas. Por esta razão, uma pesquisa suplementar foi realizada separadamente online nos quatro países em julho de 2022. Oferecemos informações mais amplas sobre os métodos usados para amostragem, trabalho de campo e ponderação para ambas as pesquisas no Anexo A.
Nas páginas seguintes, utilizamos sistematicamente os dados coletados na pesquisa para entender melhor o que as pessoas pensam sobre as notícias encontradas em diferentes plataformas em diferentes países. Abaixo, reiteramos e elaboramos várias das principais conclusões das seções que se seguem:
Publicado pelo Reuters Institute for the Study of Journalism com apoio do Facebook Journalism Project.
Esse relatório pode ser reproduzido seguindo a licença de Creative Commons (CC BY). Para mais informações, veja este link.
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