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Julgamentos rápidos: como o público que não confia nas notícias navega pelas informações nas plataformas digitais
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1. Introdução e principais achados | Figura 1. Seis pistas para julgar rapidamente no que se pode confiar | 1.1 Focando em como audiências que "geralmente não confiam" utilizam as plataformas | 1.2 Como esse relatório foi construído | 1.3 Resumo dos principais achados | Notas de rodapéLeia o relatório completo em inglês
1. Introdução e principais achados
As pessoas ao redor do mundo têm acesso a uma variedade e volume de informações como nunca visto antes. Navegar nesta abundância de fontes on-line representa um verdadeiro desafio, especialmente em meio a temores generalizados de informações de baixa qualidade e de desinformação. Alguns recorrem a fontes de notícias que consideram sérias, nas quais geralmente confiam para lhes fornecer informações precisas. Para essas pessoas, a confiança serve como uma espécie de "economizador institucional", eliminando a necessidade de verificar de forma independente a informação (Coleman 2012; Rosanvallon 2008). Porém, sabe-se menos sobre como aqueles que não têm confiança na maioria das fontes de notícias, uma parcela considerável e possivelmente crescente da população em muitos países (Toff et al. 2021c), formam avaliações em torno de quais fontes prestar atenção e quais ignorar. Além disso, ambientes digitais saturados de informação, nos quais plataformas, como Facebook e Google, emergem com grande proeminência, representam desafios únicos para organizações de notícias que procuram se destacar e manter relações de confiança com as audiências.
Neste relatório, examinamos qualitativamente como audiências que não têm confiança na maioria das organizações de notícias em seus países navegam pelo ambiente de informação digital. Em especial, estamos interessados em como elas interpretam e atribuem sentido às notícias que encontram ao utilizar as mídias sociais, aplicativos de mensagens ou mecanismos de busca. Baseando-se em uma amostra de 100 indivíduos em quatro países - Brasil, Índia, Reino Unido e Estados Unidos - nós nos concentramos em como eles usam o Facebook, WhatsApp e Google, a partir de entrevistas com abordagem singular, ancorada nas experiências concretas que as pessoas têm no dia-a-dia. Solicitamos aos participantes que descrevessem e respondessem ao que eles realmente viram em suas telas enquanto navegavam por essas plataformas em tempo real enquanto falavam com membros de nossa equipe de pesquisa.
Essa pesquisa é focada em indivíduos com confiança mínima na maioria das fontes de notícias e interesse abaixo da média em política - uma população frequentemente negligenciada na pesquisa sobre audiências, pois tende a ser menos propensa a consumir notícias. No entanto, por essa mesma razão, entender a maneira como essas pessoas encontram e se envolvem com informações on-line é de particular importância. De fato, em pesquisas anteriores (Toff et al. 2021c), descobrimos que esses indivíduos tendem a ser indiferentes, ou mesmo opostos, à ideia de receber notícias através de plataformas que eles disseram que utilizavam principalmente para outros propósitos.
Descobrimos que, quando os participantes encontraram notícias em plataformas e procuraram avaliar a credibilidade das informações, frequentemente se basearam em pistas para fazer julgamentos rápidos, instantâneos, que eram particularmente importantes, já que muitos raramente clicavam nas fontes originais de notícias. Os atalhos mentais que as pessoas mencionaram, resumidos na Figura 1, envolviam (1) ideias pré-existentes que tinham sobre notícias em geral ou tipos de notícias específicas (de onde vinham as informações), mas também vários outros fatores: (2) indicações sociais de familiares e amigos (que compartilharam ou interagiram com as notícias), (3) o tom e a redação das manchetes (se era ou não percebida como clickbait), (4) o uso de elementos visuais (que, muitas vezes, eles viam como evidência importante para o que poderiam ou não confiar), e (5) a presença de publicidade (se a informação parecia ou não ser patrocinada). Outras (6) indicações específicas da plataforma também desempenharam um papel na formação de julgamentos sobre o que poderiam confiar. Elas envolveram decisões de design em torno de como a informação aparece nas plataformas (por exemplo, quais rótulos aparecem e/ou para o que é dado mais destaque), o que, por sua vez, afeta muitas destas outras pistas.
Figura 1. Seis pistas para julgar rapidamente no que se pode confiar
As indicações específicas das plataformas variavam consideravelmente, dependendo das particularidades de cada uma delas. Por exemplo, dada a forma como os participantes usaram o Facebook e o WhatsApp, as pessoas frequentemente se basearam em tipos adicionais de indicações sociais (por exemplo, número de curtidas ou comentários) ou rótulos colocados pela plataforma Estes elementos estavam ausentes quando se tratava do Google, no qual o ranking de resultados de busca desempenhou o papel de orientação. Descobrimos também que muitos disseram depender do Google como uma ferramenta de verificação para validar ou investigar informações encontradas em outras plataformas em casos em que tais informações foram consideradas interessantes ou importantes o suficiente. Esta prática deu a muitos uma confiança adicional em suas próprias habilidades para avaliar o que é verdadeiro e o que é falso, apesar de desconfiarem da maioria das fontes de notícias profissionais.
Embora nosso foco neste relatório tenha sido sobre uma minoria significativa que não tem confiança na maior parte das notícias em seu país - os 25% que confiam menos, como definido em Toff et al. (2021c) -, estes achados destacam considerações que acreditamos serem muito mais amplamente compartilhadas. Os julgamentos instantâneos que as pessoas fazem ao avaliar informações sobre plataformas provavelmente repercutirão com muitos leitores, mesmo aqueles que acessam as notícias muito mais regularmente. O que é particularmente importante sobre estas considerações é que elas são bastante distintas (e até mesmo precisam ser ponderadas em momentos anteriores da entrega da notícia) das estratégias de construção de confiança em que os editores frequentemente se concentram - que, muitas vezes, exigem um nível de atenção às práticas jornalísticas das organizações de notícias que podem ser esperadas apenas dos consumidores de notícias mais engajados. Essas formas de navegação de notícias e informações frequentemente pressupõem níveis de conhecimento e habilidade ao navegar em plataformas que são distribuídas de forma desigual entre os usuários. Enquanto algumas das pistas das quais os usuários das plataformas dependem podem estar além do escopo sobre o qual as organizações jornalísticas têm influência, o que deposita o ônus nas próprias plataformas, outros indicadores estão no escopo de controle dos editores, mas exigem que eles estejam mais sintonizados com a forma pela qual seu conteúdo é exibido nesses espaços digitais.
1.1 Focando em como audiências que "geralmente não confiam" utilizam as plataformas
Esse relatório avança a partir de achados anteriores do Projeto Confiança nas Notícias, do Instituto Reuters, para entender melhor como as audiências, particularmente aquelas largamente afastadas da vida política e do jornalismo, navegam pelas notícias e informações que encontram nas plataformas. Como em outros aspectos deste projeto (Toff et al. 2020), nós nos concentramos nas audiências na mesma combinação de países, o que nos permite fazer comparações entre lugares com ambientes políticos e midiáticos distintos.
Pesquisas anteriores sobre confiança nas notícias se concentraram amplamente na relação entre as atitudes correspondentes às notícias e variáveis políticas subjacentes, como o partidarismo, particularmente em países altamente polarizados como os EUA (Ladd 2012; Suiter e Fletcher 2020). Embora estes fatores certamente moldem a confiança para algumas pessoas, os achados de um de nossos relatórios recentes, baseados em pesquisa de opinião, sugerem que, em vez de hostilidade explícita - muitas vezes alimentada por desacordo político - muitos dos que não confiam nas notícias o fazem, em grande parte, por indiferença ou desconexão da vida política, das notícias e do jornalismo especificamente (Toff et al. 2021c). Esse grupo de pessoas, a quem nos referimos como os que "geralmente não confiam", não só consome notícias com menos frequência e confia num número abaixo da média de organizações noticiosas em seus países, mas também tende a saber menos sobre jornalismo e como ele é praticado.
Ao mesmo tempo, pesquisas têm ressaltado o importante papel desempenhado pelas plataformas digitais, tais como mídias sociais, mecanismos de busca e aplicativos de mensagens, na forma como as pessoas descobrem e acessam notícias em um ambiente de mídia cada vez mais digital, móvel e dominado por plataformas (Newman et al. 2021). Enquanto as plataformas se tornaram pontos de entrada significativos para notícias em muitos lugares do mundo, certas redes sociais e aplicativos de mensagens se tornaram especialmente importantes para aqueles com níveis mais baixos de interesse em notícias, que estão menos inclinados a procurá-las por conta própria, recorrendo ao que encontram incidentalmente enquanto fazem outras coisas (Fletcher e Nielsen 2017). Como resultado, estes indivíduos podem ser impactados mais significativamente pela forma como as plataformas organizam e apresentam informações ou permitem que elas sejam distribuídas, mesmo que algumas plataformas possam exacerbar as desigualdades relacionadas a quem vê as notícias (Thorson 2020).
Esta ênfase dedicada a melhor compreender audiências com baixa confiança e não engajadas, por um lado, e do uso das plataformas, por outro, também dialoga com algumas das preocupações que ouvimos de profissionais do jornalismo durante uma série de mesas redondas com líderes de redação e jornalistas que realizamos em outubro de 2021 (Toff et al. 2021a). Muitos se perguntavam onde concentrar seus esforços de construção de confiança: se aprofundando relações com o público que já está propenso a confiar neles ou se concentrando em ampliar seu apelo a outros que podem não estar. Ao mesmo tempo, muitos se perguntavam se certos segmentos da audiência que não confiam estavam simplesmente fora de alcance. Muitos expressaram preocupação sobre os tipos de notícias que acreditavam ser recompensados com o envolvimento em plataformas, o que poderia minar a percepção do público sobre suas marcas e, de modo mais geral, consideravam que as plataformas contribuiriam para um "achatamento das notícias", tornando muito mais difícil para marcas de notícias individuais se destacarem do todo.
Nesse relatório, focamos mais profundamente nestas preocupações, examinando como os segmentos do público que confiam menos pensam sobre as notícias que encontram nas plataformas. Quais aspectos esses indivíduos notam ou prestam atenção ao avaliar a confiabilidade das informações que veem nas plataformas? Como as conexões e interações sociais nas plataformas afetam as percepções sobre em quais fontes de informação podem confiar? E como as características de plataformas específicas que eles utilizam moldam essas avaliações? Ao responder a estas perguntas, esperamos dar uma ideia sobre como é o consumo de notícias para audiências que não confiam, quais estratégias e ferramentas eles usam para navegar informações em plataformas e como isto é importante tanto para organizações de notícias quanto para plataformas.
1.2 Como esse relatório foi construído
Este relatório é baseado em uma análise qualitativa de 100 entrevistas em profundidade no Brasil, Índia, Reino Unido e EUA, realizadas entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, utilizando um serviço de videoconferência. Concentramo-nos especificamente em indivíduos que "geralmente não confiam" - aqueles com confiança abaixo da média em notícias e interesse em política - que também eram usuários regulares de três plataformas distintas: Facebook (uma plataforma de rede social), WhatsApp (um aplicativo de mensagens criptografadas) e Google (um mecanismo de busca). De acordo com a edição de 2021 do Digital News Report, publicado pelo Reuters Institute, (Newman et al. 2021), o Facebook foi utilizado por 72% dos entrevistados no Brasil (47% o utilizaram especificamente para notícias), 66% na Índia (43% para notícias), 65% no Reino Unido (23% para notícias) e 58% nos EUA (28% para notícias). O WhatsApp é mais predominante no Brasil e na Índia, onde concentramos nossa atenção sobre a plataforma. O aplicativo de mensagens é utilizado por 80% da população em cada um dos dois países (43% no Brasil e 53% na Índia usam-no especificamente para notícias).1 Enquanto isso, 47% das pessoas que estão no Brasil, 59% na Índia, 24% no Reino Unido e 36% nos EUA usam "ferramentas de busca" para especificamente consumir notícias, o que, na prática, frequentemente significa o Google.
Trabalhamos de perto com duas empresas de pesquisa independentes - Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC) no Brasil e Internet Research Bureau (IRB) na Índia, Reino Unido e EUA - para selecionar os participantes que se adequavam aos parâmetros do estudo. (Informações mais detalhadas são fornecidas no Apêndice Técnico.) Incluímos participantes que utilizavam regularmente estas plataformas para qualquer propósito, não necessariamente para notícias, e nos concentramos em uma única plataforma em cada entrevista, embora muitos de nossos entrevistados fossem usuários frequentes de mais de uma. Assim, embora tenhamos perguntado aos participantes sobre o consumo geral de mídia deles no início da entrevista, ao passar para a seção específica da plataforma, onde eles descreveram e responderam ao que viram em suas telas enquanto utilizavam estas plataformas, nos concentramos em apenas uma delas para cada indivíduo. Esta abordagem nos permitiu gerar 40 entrevistas focadas no Facebook ou Google cada uma, com as outras 20 centradas no WhatsApp (apenas no Brasil e na Índia, já que o aplicativo de mensagens é menos utilizado para notícias no Reino Unido e nos EUA). Cada entrevista durou uma média de 40-60 minutos.
Ter participantes nos conduzindo através do que viram enquanto utilizavam uma plataforma específica nos ajudou a observar em tempo real no que prestaram atenção ao julgar se a informação era relevante e digna de confiança para eles. Esta técnica nos permitiu ir além das respostas abstratas sobre o uso da plataforma, chegando a experiências da vida real, nas quais também conseguimos sondar os participantes em exemplos específicos e concretos.2 Depois de passar algum tempo compreendendo o conteúdo que os participantes buscavam ou eram apresentados quando utilizavam a plataforma como normalmente fariam, também pedimos a muitos que fizessem coisas que normalmente não fariam, como conduzir pesquisas no Google sobre tópicos relacionados a notícias ou navegar na guia de notícias do Facebook, em um esforço para focar em seu processo de construção de sentido em torno de notícias especificamente.3
Por razões de privacidade, as citações ilustrativas apresentadas neste relatório são atribuídas aos participantes do estudo usando pseudônimos.
1.3 Resumo dos principais achados
Esse relatório contém uma série de achados sobre como indivíduos que geralmente não confiam tipicamente pensam sobre as notícias que eles encontram nas plataformas, os atalhos que usam para fazer julgamentos rápidos sobre as notícias que encontram e como as características específicas das plataformas moldam essas experiências. Resumimos vários dos principais achados abaixo:
- As audiências que “geralmente não confiam” eram, em sua maioria, indiferente às notícias que encontravam nas plataformas, o que raramente acontecia, de qualquer forma. Muitos viram poucas notícias enquanto utilizavam as plataformas e, quando o faziam, as notícias tendiam a se concentrar em tópicos leves, tais como histórias sobre entretenimento e celebridades, em vez de notícias sobre assuntos públicos.
- Como poucos tendiam a clicar nos links que viam, muitos faziam julgamentos rápidos, instantâneos, sobre a credibilidade das informações que eram relatadas. A maioria se concentrava nas informações mínimas transmitidas através das próprias plataformas, em manchetes ou elementos visuais, ou recaía no que já conhecia da reputação das marcas. Em muitos casos, essa reputação poderia ser bastante limitada e frequentemente negativa.
- Quando encontraram fontes com as quais não estavam familiarizados, muitos disseram que as tomaram com uma "pitada de sal". Embora geralmente não clicassem em tais links, quando o faziam, frequentemente descreviam um conjunto separado de julgamentos instantâneos baseados na aparência do site, em sua publicidade e em outros sinais visíveis. Alguns também falaram sobre o uso de mecanismos de busca como ferramenta de checagem cruzada de informações encontradas em outras plataformas.
- A relevância do tema teve um papel fundamental na forma como este grupo falou sobre confiança. Na maioria das vezes, muitos expressaram ceticismo em relação a todas as notícias, mas frequentemente apontaram assuntos políticos e histórias politizadas como conteúdo que tentaram evitar por completo. Em outros tipos de notícias, muitos não se preocupavam muito com a credibilidade porque viam tais tópicos, em grande parte, através das lentes do entretenimento ou como forma de passar o tempo on-line.
- Os entrevistados prestaram atenção a diferentes indicações específicas de cada plataforma. No Facebook e WhatsApp, por exemplo, muitos se valeram de indicações sociais, como quem estava compartilhando as informações. Especificamente no Facebook, elementos como comentários e curtidas ajudaram a contextualizar as notícias que encontraram. No Google, a ordem de classificação dos resultados da busca foi especialmente destacada. Mas em todas as três plataformas, muitos tiveram dificuldades para identificar de onde vinha a informação.
- Muitos neste grupo viam as plataformas como, no mínimo, ferramentas úteis e, na melhor das hipóteses, essenciais para o cumprimento de funções importantes na vida diária. Isto contrastou fortemente com as opiniões muito negativas que estes entrevistados que "geralmente não confiam" tinham sobre a maioria das notícias, que eles tendiam a ver como irrelevantes e deprimentes.
- Muitos estavam inseguros sobre como as plataformas determinavam quais informações seriam mostradas para eles. Alguns expressaram profundas preocupações sobre desinformação, agendas comerciais e invasões de privacidade, mas muitas vezes ainda depositaram confiança nas plataformas para verificar, averiguar a autenticidade dos fatos, ou priorizar as fontes mais confiáveis. Alguns disseram acreditar que as plataformas empregavam especialistas que faziam tais determinações editoriais manualmente. Apesar das preocupações com as plataformas, muitos neste grupo disseram apreciar a forma como elas ofereciam acesso a uma gama de perspectivas, permitindo aos usuários que formassem suas próprias opiniões.
Notas de rodapé
1 No Reino Unido, 66% dos entrevistados disseram ter usado o WhatsApp (apenas 14% o usaram especificamente para notícias), enquanto nos EUA apenas 15% disseram que o fizeram (6% para notícias).
2 Devido a preocupações com privacidade, não pedimos aos participantes que compartilhassem suas telas conosco e dependemos inteiramente de suas próprias descrições do que estavam vendo.
3 Esta função não estava disponível na Índia e no Brasil.
Publicado pelo Reuters Institute for the Study of Journalism com o apoio do Projeto de Jornalismo do Facebook.
Esse relatório pode ser reproduzido seguindo a licença de Creative Commons (CC BY). Para mais informações, veja este link.
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