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Notícias para os poderosos e privilegiados: como representações deturpadas ou insuficientes de comunidades desfavorecidas abala a confiança delas nas notícias
1. Introdução e principais achados
Não existe um problema único de confiança e, portanto, também não há uma solução única. Esse entendimento tem sido a tônica dos últimos dois anos e meio no Trust in News Project, do Reuters Institute. Se considerarmos que a audiência normalmente tem diferentes razões conectadas ao seu ceticismo e desconfiança, as organizações de notícias que buscam manter e reconstruir confiança devem primeiro tomar decisões a respeito de quem são suas prioridades em termos de construção de confiança, considerando as escolhas associadas à adaptação para servir a diferentes segmentos do público (Toff et al. 2020; Toff et al. 2021a). É impossível ser confiável para todo mundo, assim como nem todas as pessoas esperam que os jornalistas sirvam suas comunidades da mesma forma, mesmo que existam, ao menos em abstrato, muitos valores comuns em torno do que chamamos de jornalismo confiável.
Este preceito esteve no centro das nossas atenções quando nos propusemos a levar em conta as diferentes perspectivas de audiências sub-representadas na cobertura jornalística e/ou grupos historicamente marginalizados. Pesquisas de opinião anteriores, inclusive nossas, mostraram diferenças nos níveis de confiança e percepções de equilíbrio em alguns locais com base em variáveis demográficas particulares como raça (ou castas, na Índia), gênero, classe social e idade (Newman et al. 2021; Toff et al. 2021c). Há, no entanto, limitações no uso desse tipo de dado para entender muitas dessas pequenas subamostras. Para uma compreensão mais detalhada do que essas diferenças significam e de como elas podem se relacionar com outros fatores ou experiências, uma abordagem qualitativa é particularmente útil.
Este relatório utiliza dados de 41 grupos focais realizados nos quatro países centrais deste projeto - Brasil, Índia, Reino Unido e EUA. Nós optamos por selecionar participantes de comunidades desfavorecidas, cujas perspectivas e experiências podem diferir significativamente de grupos majoritários ou dominantes. Concentramo-nos especificamente em como as diferenças de raça, casta, religião, classe e localidade podem apontar para necessidades e expectativas distintas sobre notícias e como isso se relaciona com o senso de confiança das pessoas. No Brasil, nós nos concentramos no público preto e pardo;1 na Índia, focamos no público de castas ou tribos marginalizadas e nos muçulmanos; no Reino Unido, nos concentramos na classe trabalhadora e, nos EUA, no público de pessoas negras e aqueles que vivem em zona rural.
A opção por esses recortes de público se baseou parcialmente em mesas redondas e entrevistas realizadas anteriormente com jornalistas e editores seniores de redações (Toff et al. 2020; Toff et al. 2021a). Muitos deles questionaram como poderiam engajar melhor audiências historicamente mal servidas ou marginalizadas na cobertura jornalística de seus países. Em muitas ocasiões, reconheceram que as deficiências crônicas nas reportagens – ou, pior, uma cobertura que prejudicou ativamente alguns grupos – têm estressado as relações e podem estar no cerne da desconfiança de muitas comunidades. Além disso, pesquisas qualitativas sobre confiança nas notícias entre subgrupos específicos têm sido especialmente limitadas, com os poucos estudos existentes focalizados quase exclusivamente em subgrupos específicos no Norte Global (por exemplo, Kilgo et al. 2020; Nadler et al. 2021).
Até certo ponto, muito do que ouvimos nesses grupos focais em relação à confiança se alinha com nossos achados anteriores e com o trabalho de outros pesquisadores: muitas pessoas expressaram um senso generalizado de ceticismo em relação a todos os meios de notícias, não necessariamente diferenciando entre fontes distintas; muitas pessoas mantinham uma profunda suspeita sobre as motivações das organizações de mídia, que eles pressupunham manipular o público para fins comerciais ou políticos; e a audiência frequentemente atribuiu sua desconfiança ao que eles viam como um viés crônico em reportagens que supostamente deveriam ser justas e imparciais. Esses posicionamentos estão longe de ser específicos para os grupos em que nos concentramos aqui.
No entanto, entre os participantes dos grupos focais, essas ideias estavam frequentemente enraizadas em perspectivas oriundas da identificação como parte de um grupo marginalizado ou situado longe dos centros de poder. Em outras palavras, as críticas podem soar parecidas, mas as implicações eram muitas vezes maiores. Públicos mais privilegiados podem estar preocupados com, digamos, o sensacionalismo, mas raramente arcam pessoalmente com os custos. As comunidades desfavorecidas arcam. A lente através da qual muitos viram as falhas da imprensa em seus países estava em grande medida (embora não apenas) relacionada aos problemas que enxergavam na forma pela qual pessoas como eles eram retratadas. E enquanto alguns grupos expressaram queixas de maneira semelhante a outros públicos quando se tratava de preocupações sobre deturpação, sub-representação e percepção de imprecisões na cobertura jornalística, os exemplos que eles ofereciam frequentemente deixavam claro até que ponto as frustrações com as notícias não eram simplesmente razões para desconfiar delas, mas fontes de danos reais às comunidades que já estão em desvantagem na sociedade.
Inevitavelmente, tais percepções e experiências moldaram o senso de confiança das pessoas, mas há muitas nuances. As conversas sobre confiança refletiram as visões e expectativas abrangentes e complexas dos participantes sobre as notícias e o que elas deveriam ser. Muitos mantinham múltiplas noções sobre quais notícias eles poderiam ou não confiar - e para que - e as circunstâncias sob as quais poderiam mudar de ideia. Enquanto os participantes discutiram exaustivamente os tipos de iniciativas que desejavam que as organizações empreendessem para melhorar seu jornalismo, nem sempre ficou claro que qualquer uma dessas mudanças seria necessariamente suficiente para resgatar sua confiança. Não há soluções simples para problemas que estão profundamente enraizados e que se arrastam há muito tempo. Por outro lado, alguns estavam dispostos a depositar confiança em determinadas organizações jornalísticas apesar do que viam como problemas crônicos na cobertura. Isso porque eles já tinham baixa expectativa sobre a maioria das instituições da sociedade quando se tratava de atender às pessoas de sua comunidade e tratá-las de forma adequada.
Nossos achados aqui são importantes por várias razões. Primeiro, porque destacam em termos concretos o impacto que uma representação imprecisa e inadequada na cobertura jornalística pode ter sobre a vida das pessoas pertencentes a comunidades marginalizadas e outros grupos distantes e desconectados das partes privilegiadas e poderosas da sociedade. Embora algumas das críticas levantadas neste relatório soem familiares a muitos jornalistas, as preocupações profundamente pessoais expressas aqui – que envolvem potenciais danos profundos – deveriam levar alguns a refletir se os compromissos de suas organizações com esses temas estão devidamente alinhados com a urgência dos problemas, conforme percebido por muitos nas comunidades nas quais nos concentramos.
Em segundo lugar, e relacionado a este ponto, embora haja passos concretos que podem ser dados para abordar muitas dessas questões, os quais focalizamos em nossa seção final – e algumas redações em alguns países procuraram, em graus variados, fazê-lo – tomar essas medidas pode exigir a realocação de recursos muitas vezes escassos. Isso se resume a uma questão de prioridades – assim como não tomar tais medidas também é uma escolha. Em outras palavras, não há aqui um caminho neutro. Cada um envolve, em graus variados, escolhas editoriais e outras que temos procurado destacar ao longo deste relatório. As perspectivas capturadas em muitos desses grupos de discussão refletem frustrações com a imprensa que, muito frequentemente, opta por formas de cobertura que se propõem a ser justas e imparciais, mas que não raro refletem e reforçam uma visão estreita do mundo, compartilhada por grupos dominantes na sociedade, excluindo sistematicamente os pontos de vista daqueles que, historicamente, não têm tido voz nas redações para opinar. Representar melhor as comunidades marginalizadas e mal servidas na cobertura jornalística exige uma disposição para enfrentar e corrigir essas disparidades, e não simplesmente um reconhecimento do problema.
Terceiro, apesar das diferenças reais nas perspectivas sobre como as pessoas avaliam as notícias em seus países, também achamos que vale a pena ressaltar que muitas das mudanças que os participantes queriam ver refletidas na cobertura de suas comunidades não exigem uma reestruturação completa sobre os valores notícia. De fato, muitos expressaram sentimentos semelhantes sobre o que eles querem das notícias, em última instância: uma cobertura imparcial, justa e precisa sobre assuntos relevantes para suas vidas. Apesar de muitos divergirem sobre o que eles achavam que tal cobertura é na prática, eles não estavam pedindo um abandono total das abordagens jornalísticas que prezam a busca de fatos objetivos, por mais abstrato que seja este conceito. Eles querem notícias que cumpram esta missão, e nós tentamos captar fielmente tais sentimentos nas páginas que se seguem.
1.1 Como esse relatório foi elaborado
Este estudo é baseado em uma série de grupos focais conduzidos entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 no Brasil, Índia, Reino Unido e EUA - quatro países que são o foco de nosso projeto - que variam consideravelmente em suas culturas, política e sistemas de mídia (ver Toff et al. 2020). Trabalhamos com empresas de pesquisa locais: Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC) no Brasil; Policy and Development Advisory Group (PDAG) na Índia; Differentology no Reino Unido; e State Public Policy Group (SPPG) nos EUA. Eles organizaram e conduziram 41 sessões separadas: oito no Brasil, oito no Reino Unido, oito nos EUA e 17 na Índia. Os grupos focais tinham entre 4 e 15 participantes, totalizando 322 pessoas. A triagem e o recrutamento variaram por país, concentrando-se nos subgrupos relevantes resumidos na Tabela 1.
Tabela 1
Com tempo e recursos limitados, necessariamente tivemos que ser seletivos sobre em quais subgrupos de audiência focar. Ao fazer isso, consideramos clivagens importantes documentadas em pesquisas anteriores em cada país, mas o mais significativo é que nos baseamos em nossas próprias conversas com jornalistas e editores, que frequentemente discutiam e/ou perguntavam sobre como melhor servir a esses segmentos particulares do público. Nossa decisão de focalizar este relatório dessa forma, entretanto, não significa que esses sejam os únicos públicos importantes e nem que devemos pressupor que outros grupos marginalizados ou mal servidos tenham as mesmas experiências ou pontos de vista. Na realidade, nem todos os participantes se consideravam necessariamente como negligenciados. (Na verdade, os grupos rurais nos EUA incluíam dois participantes que haviam trabalhado no governo). Ainda assim, esperamos que ao lançar luz sobre algumas das semelhanças e diferenças dentro e entre esses grupos, nosso estudo contribua para ressaltar mais amplamente a importância de prestar atenção às perspectivas únicas entre diferentes comunidades e como as identidades sociais muitas vezes desempenham um papel importante na conformação de relações de diferentes audiências com as notícias.
Além de recrutar participantes com base nas características sociodemográficas particulares em cada país, geralmente também dividimos os grupos focais de acordo com gênero e idade, resultando em grupos separados para homens mais jovens, mulheres mais jovens, homens mais velhos e mulheres mais velhas na maioria dos locais. Isso foi feito tanto para fins práticos quanto analíticos: por um lado, queríamos minimizar a dinâmica de poder entre os participantes por conta de diferenças de gênero e idade, que poderiam inibir a participação nos próprios grupos. Por outro lado, queríamos facilitar uma análise dos dados ao longo do que os estudiosos chamam de linhas "interseccionais" (Cooper 2016; Crenshaw 1991), reconhecendo a necessidade de considerar como diferentes formas de opressão ou exclusão estrutural podem convergir, moldando as experiências daqueles que ocupam identidades nessas intersecções de maneiras distintas e importantes.2
Algumas vezes, nos concentramos nessas importantes perspectivas interseccionais, mas assim como nosso desenho de pesquisaa envolve escolhas em torno de quais grupos recrutar e excluir, também temos limites no nível de detalhes que somos capazes de entrar neste relatório ao tratar destas muitas variações. Finalmente, em três dos quatro países, os grupos foram conduzidos em duas localizações geográficas distintas, selecionadas selecionados em conjunto com as empresas parceiras para permitir também a variação regional. Fornecemos mais detalhes sobre essas localidades e nossa justificativa para selecioná-las no Apêndice Técnico.
Os grupos focais geralmente duraram 90 minutos, embora alguns na Índia fossem mais curtos e estruturados de forma diferente, refletindo os desafios únicos associados a algumas das populações ali amostradas. Trechos dos grupos focais são identificados usando pseudônimos para proteger a identidade dos participantes.3 Também identificamos de qual grupo cada participante fazia parte e fornecemos informações mais detalhadas sobre as características (por exemplo, faixa etária, sexo, localização) para cada grupo individual no Apêndice. Durante os grupos, moderadores treinados guiaram as conversas através de quatro tópicos principais: identidade; quais notícias as pessoas usaram e por que; percepções de jornalismo e confiança; e representação nas notícias.4
1.2 Considerando as complexidades de identidade
Ao realçarmos as perspectivas das populações que têm sido marginalizadas e/ou mal atendidas pelas organizações jornalísticas em seus países, procuramos captar semelhanças temáticas relevantes entre esses grupos. As conversas frequentemente deixaram claro até que ponto as várias identidades examinadas aqui moldaram a vida das pessoas de maneira importante e, muitas vezes, seguindo um padrão semelhante. Durante a primeira parte dos grupos focais, os participantes refletiram extensivamente sobre como suas identidades foram muitas vezes acompanhadas de experiências de enfrentamento de desvantagens estruturais, como exclusão, estereótipos, discriminação aberta e até mesmo violência. Da mesma forma, dentro dos subgrupos, as percepções e experiências com notícias eram frequentemente expressadas de formas que ecoavam umas às outras. Destacamos estes pontos em comum em muitas partes de nosso relatório.
Ao fazer isso, contudo, não estamos de forma alguma sugerindo que as experiências de marginalização ou exclusão desses diferentes grupos -- de notícias ou da sociedade em geral -- sejam equivalentes ou comparáveis. Existem diferenças muito reais e significativas entre as experiências destes grupos, bem como variações consideráveis na gama de perspectivas que ouvimos dentro deles. Esperamos que algumas dessas diferenças sejam encontradas nas seções principais deste relatório, embora reconhecidamente existam muitos aspectos das experiências únicas dos indivíduos que não somos capazes de documentar exaustivamente aqui.
Além de muitas diferenças no nível individual, houve importantes variações tanto dentro dos grupos quanto entre eles, em termos de quão centrais as identidades específicas (por exemplo, ser muçulmano, negro, classe trabalhadora ou rural) eram para o senso de identidade dos participantes;5 ou como qualquer categoria foi simbolicamente construída e experimentada em contextos locais (por exemplo, diferenças em como a negritude foi articulada ou experimentada em Iowa versus Bahia versus São Paulo, ou diferenças em como a identidade de casta ou étnica foi experimentada em Haryana versus Jharkhand). Ademais, e como observado acima, essas identidades inevitavelmente se cruzaram com outras identidades, e às vezes foram experienciadas como estando “em tensão” (por exemplo, pessoas com identidades "mistas", tais como participantes de etnias mistas ou participantes cujas famílias estavam divididas em termos de classe socioeconômica) e outras vezes tiveram um grau de fluidez (por exemplo, idade ou mudança de classe ao longo do tempo).
Além disso, considerando o quanto raça e classe estão interligadas em muitos lugares, as conversas em grupo às vezes abordavam questões de identidade que não eram o foco principal do grupo (por exemplo, alguns dos participantes da classe trabalhadora nos grupos do Reino Unido eram negros ou asiáticos e discutiam assuntos relativos à raça além da classe; alguns dos participantes negros no Brasil também levantaram questões relativas à classe). Em resumo, as identidades são imensamente complexas e nenhum desses grupos é um bloco uniforme.
Finalmente, ao apresentar nossos achados, queremos enfatizar suas limitações. Embora nossa intenção seja destacar e promover as vozes de segmentos do público que são frequentemente negligenciados na pesquisa de audiência – e, quando não são, raramente isso acontece em perspectiva comparada internacional -, as conclusões aqui envolvem necessariamente espiar um conjunto muito maior de fenômenos através de uma pequena janela. De fato, é impossível captar todo o espectro de experiências dos negros americanos com base em grupos realizados exclusivamente em Des Moines, Iowa, ou na multiplicidade de experiências de pessoas pertencentes a castas marginalizadas ou identidades étnicas em um país tão grande e diverso quanto a Índia. Ou seja, os indivíduos incluídos neste estudo não devem ser tomados como substitutos para grupos marginalizados ou mal atendidos, ou para todos os membros de suas comunidades específicas - uma frustração que surgiu muitas vezes em conversas que falavam justamente sobre esse tipo de conduta por parte da cobertura jornalística. Nossa abordagem pretende trazer profundidade, nuance e precisão ao assunto em questão, e não generalizações amplas e abrangentes. Oferecemos isso porque acreditamos que destacar essas perspectivas nas vozes dos participantes fornece um ponto de partida valioso para conversas sobre como as redações podem servir melhor públicos que têm sido historicamente negligenciados ou maltratados.
1.3 Principais achados
Embora haja diferenças na forma como os participantes do estudo viam o mundo e criticavam a mídia de notícias por sua cobertura de pessoas como eles, também há muitos pontos em comum nas frustrações sobre as notícias expressas através desses grupos. A maioria via a mídia noticiosa não apenas como desconectada, mas às vezes como uma força especialmente prejudicial que causou danos reais a suas comunidades, seja por negligenciá-las completamente ou por explorá-las, reforçando estereótipos prejudiciais, ou por usar o sensacionalismo de formas divisivas e polarizadoras. Em última análise, muitos desconfiaram das notícias por esses motivos, mas o elo para uma relação de confiança nem sempre foi tão direto quanto. A seguir resumimos as principais lições que identificamos analisando as transcrições dos grupos de discussão:
- Apesar da diversidade dos grupos reunidos em diversos sistemas midiáticos, os participantes manifestaram frustrações semelhantes sobre não serem ouvidos. Muitos se sentiram injustiçados pelo que viram como persistente deturpação e sub-representação na cobertura de pessoas como eles. Embora os grupos variassem na intensidade de suas preocupações, os participantes frequentemente se concentraram em críticas comuns, que iam desde a negatividade incessante e o tratamento injusto até estereótipos prejudiciais e atenção inadequada.
- Entre indivíduos de comunidades marginalizadas, muitos viam as organizações noticiosas como tendenciosas, sensacionalistas ou depressivas, com implicações pessoais significativas. Para aqueles que sentiram que a cobertura negativa visava intencionalmente suas comunidades, tais notícias foram descritas como sendo perturbadoras em um nível exclusivamente pessoal. Em particular, a cobertura de crimes e violência era frequentemente vista como uma forma de ampliar a audiência ou ganhar cliques às custas de comunidades vulneráveis.
- A imprensa como instituição, especialmente no Reino Unido, nos EUA e na Índia, era frequentemente vista como um braço de sistemas alinhados para servir aos poderosos -- sistemas dos quais muitos se sentiam excluídos. Impressões sobre os meios de comunicação de massa estavam frequentemente entrelaçadas com preocupações mais amplas sobre desigualdades como racismo, elitismo e preconceito associado com castas. Os meios de comunicação de massa raramente eram vistos como uma forma de atender a todo o público, mas sim como em meio de reforço dos interesses daqueles que já eram mais privilegiados e poderosos.
- Muitos grupos viam os jornalistas como desconectados, sem a experiência vivida ou conhecimento para entender suas realidades, ou mesmo como preconceituosos, mas muitos também deram exemplos positivos de jornalistas que eles consideravam como exceções. Outros distinguiram os jornalistas das organizações que os empregam, culpando mais tipicamente as empresas e as pressões comerciais mais amplas por deficiências que viam na cobertura.
- A maioria descreveu “jornalismo confiável” de forma alinhada com outros públicos, ao reivindicarem mais imparcialidade, transparência e precisão na cobertura. Ao mesmo tempo, opiniões sobre o que é digno de notícia, quais histórias devem ser cobertas ou ignoradas, e quais vozes merecem ser destacadas também eram frequentemente enraizadas nos distintos pontos de vista das pessoas, que poderiam ser bem diferentes uns dos outros.
- Os participantes dos grupos de discussão divergiram no grau de relevância que atribuem à diversidade de origem dos jornalistas. Muitos, em especial os participantes negros nos Estados Unidos, consideraram muito importante que as redações ampliassem a diversidade, tanto nos times de reportagem quanto na alta administração, de forma a refletir melhor as comunidades que procuram servir. Os grupos, no entanto, também desconfiaram de ações meramente simbólicas e de esforços performáticos que consideram paternalistas.
- Muitos falaram da importância de organizações de nicho e, em alguns casos, das fontes de notícias locais que percebiam como sendo mais justas e plenamente representativas deles e de seus interesses. Os mais jovens falaram especialmente sobre confiar em indivíduos, muitas vezes não jornalistas, cujos conteúdos eles acessavam por meio de redes sociais, podcasts ou serviços de vídeo online que preferiam, justamente por falarem de forma mais confiável sobre suas preocupações e destacar os tópicos que lhes interessam mais. Outros destacaram a importância da mídia étnica ou comunitária para servir a estes propósitos.
- Representatividade importa para confiança, mas as preocupações levantadas muitas vezes iam além da confiança. Muitos disseram que restaurar seu senso de confiança exigiria que as organizações jornalísticas prestassem mais atenção às preocupações de suas comunidades, de forma genuína e consistente, e representassem o conjunto de suas experiências e perspectivas de forma mais justa e positiva. Ao mesmo tempo, nem todos estavam seguros de que tais mudanças transformariam a maneira como se sentiam em relação às notícias. Outros estavam mais inclinados a confiar em fontes específicas, mesmo quando concordavam que as notícias em geral deveriam cumprir mais fielmente seus supostos ideais de servir a todo o público, e não apenas aos privilegiados e poderosos.
Notas de rodapé
1 Nós usamos as categorias de cor ou raça utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), que combina pretos e pardos na categoria negros. Ao longo do relatório, iremos nos referir a essas pessoas como negros, agrupando pretos e pardos de forma semelhante ao que faz o IBGE.
2 A ideia de que a intersecção de identidades como raça e gênero são ‘únicas e não podem ser entendidas simplesmente adicionando ingredientes de cada identidade separada’ (Ghavami and Peplau 2013, p. 114) é central para a ideia de interseccionalidade.
3 Nós fizemos o possível para identificar cada participante nas citações, mas isso foi desafiador na prática, especialmente quando apenas gravações de áudio estavam disponíveis. Quando em dúvida, nós optamos por identificar apenas o grupo e não o participante específico, mas também é possível que participantes tenham sido identificados erroneamente em alguns casos.
4 Uma pessoa da equipe de pesquisa do Instituto Reuters estava presente presencialmente na maioria das sessões para oferecer comentários e supervisionar o andamento dos grupos focais.
5 Na maioria dos grupos focais (exceto na Índia, onde o sensível tópico de identidade foi tratado mais indiretamente), nós começamos a conversa permitindo aos participantes discutir livremente quais aspectos eram importantes para a ideia deles sobre quem eles são. Alguns imediatamente mencionaram as categorias nos quais estávamos interessados, mas outros focaram em características pessoais como personalidade, valores ou outras identidades, como gênero.